quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

# 1 - Les Beatles

No embalo das comemorações dos 50 anos da primeira visita dos Beatles aos Estados Unidos pouco é sabido ou lembrado que menos de um mês antes eles haviam passado uma temporada de três semanas em Paris. Os franceses foram os últimos a testemunhar o grupo antes do pandemônio que se sucedeu à conquista da América. Ao contrário do que havia acontecido em outros lugares da Europa, seu sucesso não foi instantâneo. Pela última vez, os Beatles puderam aproveitar relativo anonimato nas ruas da capital francesa, que ainda os viu compondo um novo single e descobrindo a música de um jovem bardo americano.

Posando para a revista LIFE (foto de Terence Spencer)




















por Carlos E. Werlang

Há exatos 50 anos, no dia 5 de fevereiro de 1964, os Beatles retornaram a Londres depois de terem ficado 22 dias na França. Dois dias mais tarde, eles voaram à New York pela primeira vez. O que aconteceu a seguir foi tão sem precedentes que a estada em Paris quase sempre é eclipsada. Mas como de costume, ela foi marcada por diversos fatos significantes.

É importante destacar a quantidade e a rapidez do trabalho da banda nos anos iniciais de seu contrato com a EMI. Entre o fim de dezembro e o início de janeiro de 64, os Beatles apresentaram-se em 16 noites no The Beatles Christmas Show, uma peça teatral de variedades concebida por Brian Epstein. Apenas três dias depois, em 14 de fevereiro, John Lennon, Paul McCartney e George Harrison, desembarcaram no aeroporto Le Bourget, acompanhados de Brian Epstein, Neil Aspinall e outras pessoas da imprensa inglesa. Ringo Starr juntou-se a eles somente no dia seguinte.

Os Beatles menos Ringo nas ruas de Paris

Eles ficaram hospedados no luxuoso hotel George V, na Champs-Elysées. Segundo George, essa foi a primeira vez em que ficaram num hotel tão grande, com enormes suítes e grandes banheiros de mármore. John e Paul já sofriam a pressão de compor canções para seu primeiro filme e ainda para outros artistas. Para isso um piano foi trazido até a suíte.


















Os Beatles e Epstein relaxando na suíte (foto de Harry Benson)

















O primeiro show aconteceu no Cinéma Cyrano; foi um aquecimento para a abertura da temporada. Todos os demais aconteceram no Olympia Theater, ao longo de 18 dias. Em geral os Beatles tocavam 2 shows por dia, embora em algumas ocasiões eles tenham tocado até 3 vezes. Entre os atos que também dividiam o palco estavam o americano Trini Lopez e a francesa Sylvie Vartan.

Acostumados ao sucesso instantâneo, os Beatles tiveram uma experiência diferente quando tocaram o primeiro show da noite. A plateia era composta de elegantes pessoas mais velhas dispostas a aproveitar o que Paris tinha de melhor para oferecer em termos de entretenimento. Um grande contraste com o show da matinê, quando a plateia era formada de jovens entusiasmados que esgotaram os ingressos. Ao menos nos primeiros dias, as expectativas de encontrarem garotas francesas do tipo de Brigitte Bardot foram frustradas.


Os Beatles e Sylvie Vartan



























Em geral, a apresentação da tarde era mais curta do que a da noite, e os números executados eram ‘From Me To You’, ‘Roll Over Beethoven’, ‘I Saw Her Standing There’, ‘She Loves You’, ‘This Boy’, ‘Boys’, ‘I Want To Hold Your Hand’, ‘Twist and Shout’ e ‘Long Tall Sally’. A essa altura, os Beatles já tinham conseguido fazer três dos seus singles chegarem ao topo das paradas britânicas, mas falhavam em repetir o mesmo nos EUA. A história mudou quando a Capitol entrou no jogo.

Selos de menor importância já haviam lançado singles dos Beatles na América, mas como não houve promoção em cima das canções, nenhuma delas conseguiu entrar nas paradas. Com todo o sucesso se espalhando pela Europa, os EUA não podiam mais ignorar a mania. Um dos primeiros a se impressionar foi o apresentador de TV, Ed Sullivan. Ele havia visto a beatlemania com os próprios olhos numa passagem por Londres e conseguiu apresentações para o grupo no início de fevereiro. Quando finalmente a Capitol decidiu lançar ‘I Want To Hold Your Hand’, não teve mais volta.

Ainda em um dos primeiros dias em Paris, Brian Epstein os recebeu de volta ao George V com um telegrama vindo da Capitol. Eles haviam conseguido o tão suado número 1 das paradas americanas! As próximas semanas tiveram os Beatles em estado de êxtase preparando-se para a grande conquista. Todos eles sabiam muito bem da importância do que estava por vir.

Eleanor Bron ou uma garçonete?




















Mas ainda havia Paris e eles continuavam com o jogo rápido. Através de um DJ francês, Paul conseguiu a cópia de um álbum cujo artista ele já havia ouvido o nome repetidamente. O disco em questão era nada menos que The Freewheelin’ Bob Dylan. Um dos pontos altos da viagem, e de acordo com John, “Nós o levamos de volta ao hotel e pelo resto da nossa estada de três semanas em Paris, não paramos de tocá-lo. Todos nós ficamos malucos por Dylan.”

The Freewheelin' Bob Dylan















Duas importantes adições ao grupo aconteceram nos dias seguintes. Derek Taylor havia começado a trabalhar com George em uma coluna para o Daily Express, e assim, juntou-se a eles. Enquanto John e Paul ficavam no hotel compondo, George e Derek saíam pelas ruas de Paris para, segundo George, “fazer coisas francesas,” como ir à Torre Eiffel e boates. Os anos a seguir viram Derek envolvido com os Beatles até sua morte, em 1997. Mas foi nesta viagem em que John abriu a guarda e iniciou uma amizade com Taylor.

A outra pessoa a juntar-se a equipe dos Beatles foi o produtor George Martin. A gravadora alemã deixou claro que a banda somente faria sucesso na Alemanha cantando em alemão. Por isso, Martin voou até Paris para gravar versões de ‘I Want To Hold Your Hand’ e ‘She Loves You’ em alemão. Pela primeira vez desde que havia contratado os Beatles, eles não cumpriram o compromisso. Depois de uma conversa com Neil Aspinall, um furioso Martin foi até o hotel, só para encontrar uma comédia Beatle e ter que cair na risada – eles achavam ridículo ter de cantar em alemão.

Com a ajuda de um tradutor dois dias mais tarde, em 29 de janeiro, eles gravaram as versões ‘Komm, Gib Mir Deine Hand’ e ‘Sie Liebe Dich’. O fato interessante desta história é que para ‘Sie Liebe Dich’, eles  tiveram que regravar a música, gerando diferenças da versão original em inglês.

Nas mesmas sessões, acontecidas na EMI francesa (a única do conjunto fora da Inglaterra, uma vez que ‘The Inner Light’, gravada em 68 na Índia só teve George presente), mais uma canção foi testada. Paul a havia escrito no piano do hotel e a chamou de ‘Can’t Buy Me Love’. Embora ela ainda tenha sido modificada no mês seguinte, em Londres, ela estabeleceu mais recordes quando também chegou ao topo das paradas, em abril. Com ela, os Beatles monopolizaram as primeiras cinco posições das paradas.

A temporada na França é mais conhecida pelo telegrama recebido por Epstein, mas além de significar um último respiro antes da loucura da beatlemania, foi a única vez – com as exceções de Liverpool e Hamburgo – que os Beatles tocaram tanto tempo na mesma casa, mais de 30 vezes.

Os dois vídeos a seguir são do dia 16 de janeiro. No canal 'TheBeatlesConcerts' do Youtube é possível encontrar os dois shows completos.



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